Saturday 8 February 2014

A morte devagar


















Morre lentamente quem não troca de idéias, não troca de discurso, evita as próprias contradições.


Morre lentamente quem vira escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajeto e as mesmas compras no supermercado. Quem não troca de marca, não arrisca vestir uma cor nova, não dá papo para quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru e seu parceiro diário. Muitos não podem comprar um livro ou uma entrada de cinema, mas muitos podem, e ainda assim alienam-se diante de um tubo de imagens que traz informação e entretenimento, mas que não deveria, mesmo com apenas 14 polegadas, ocupar tanto espaço em uma vida.

Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos nos is a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não acha graça de si mesmo.

Morre lentamente quem destrói seu amor-próprio. Pode ser depressão, que é doença séria e requer ajuda profissional. Então fenece a cada dia quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem não trabalha e quem não estuda, e na maioria das vezes isso não é opção e, sim, destino: então um governo omisso pode matar lentamente uma boa parcela da população.

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante, desistindo de um projeto antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe. Morre muita gente lentamente, e esta é a morte mais ingrata e traiçoeira, pois quando ela se aproxima de verdade, aí já estamos muito destreinados para percorrer o pouco tempo restante. Que amanhã, portanto, demore muito para ser o nosso dia. Já que não podemos evitar um final repentino, que ao menos evitemos a morte em suaves prestações, lembrando sempre que estar vivo exige um esforço bem maior do que simplesmente respirar.


Martha Medeiros



Slowly Dies


He dies a slow death who becomes a slave to habit, repeating everyday
the same paths, who doesn't change the mark he leaves, won't risk wearing
a new color, nor talk to people he doesn't know.

He dies a slow death who avoids passion, who prefers
black on white and dotted i's over
a whirlwind of emotions,
especially those that bring a shine to the eyes, rescue smiles
from yawns, hearts clumsy with feelings.

He dies a slow death who doesn't upend the table when he is
unhappy at work, who won't risk a sure thing
for the uncertainty behind a dream, who won't allow himself
at least once in his life, to flee from sensible advice.

He dies a slow death who doesn't travel, nor read, nor hear
music, who doesn't laugh at himself.

He dies a slow death who destroys his love for himself, who won't
let himself be helped.

He dies a slow death who spends his days complaining of his
bad luck or of the neverending rain.

He dies a slow death who quits a project before
starting it, not asking about what he doesn't know, or not
answering when asked about something he does know.

Let us avoid death by gentle installments, remembering always
that being alive demands an effort much greater
than the simple fact of breathing.


Only firey patience will allow us to conquer
a splendid happiness.
 
(Emphasis not on original)
(Picture: Angel in chains, Odilon Redon)

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