Wednesday, 10 April 2013

O Guardador de Rebanhos IV














Esta tarde a trovoada caiu
Pelas encostas do céu abaixo
Como um pedregulho enorme...
Como alguém que duma janela alta
Sacode uma toalha de mesa,
E as migalhas, por caírem todas juntas,
Fazem algum barulho ao cair,
A chuva chovia do céu
E enegreceu os caminhos ...

Quando os relâmpagos sacudiam o ar
E abanavam o espaço
Como uma grande cabeça que diz que não,
Não sei porquê — eu não tinha medo —
pus-me a rezar a Santa Bárbara
Como se eu fosse a velha tia de alguém...

Ah! é que rezando a Santa Bárbara
Eu sentia-me ainda mais simples
Do que julgo que sou...
Sentia-me familiar e caseiro
E tendo passado a vida
Tranqüilamente, como o muro do quintal;
Tendo idéias e sentimentos por os ter
Como uma flor tem perfume e cor...

Sentia-me alguém que nossa acreditar em Santa Bárbara...
Ah, poder crer em Santa Bárbara!

(Quem crê que há Santa Bárbara,
Julgará que ela é gente e visível
Ou que julgará dela?)

(Que artifício! Que sabem
As flores, as árvores, os rebanhos,
De Santa Bárbara?... Um ramo de árvore,
Se pensasse, nunca podia
Construir santos nem anjos...
Poderia julgar que o sol
É Deus, e que a trovoada
É uma quantidade de gente
Zangada por cima de nós ...
Ali, como os mais simples dos homens
São doentes e confusos e estúpidos
Ao pé da clara simplicidade
E saúde em existir
Das árvores e das plantas!)

E eu, pensando em tudo isto,
Fiquei outra vez menos feliz...
Fiquei sombrio e adoecido e soturno
Como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça
E nem sequer de noite chega.

Fernando Pessoa



The Keeper of Sheep IV

This afternoon a thunderstorm fell
Down from the sky onto the hillsides
Like a huge pile of gravel...

Like someone shaking a tablecloth out of a high window,
And all the scraps falling together
Make some noise when they fall,
The hissing rain rained from the sky
And darkened the roads...

When lightning flashes in the air
And space shakes
Like a big head saying no,
I don’t know why — I'm not scared —
I start praying to Saint Barbara
Like I was somebody’s old aunt...

Ah, it’s that praying to Saint Barbara
Makes me feel even more simple
Than I think I am...
I feel homey and domestic
Like I’ve gone through life
Tranquilly, like the wall of my yard;
Having ideas and sentiments
Like a flower has perfume and color...

It makes me feel like someone who can believe in St. Barbara...
Ah, to be able to believe in St. Barbara!

Someone believes there’s a St. Barbara,
Someone has to believe she’s a person you can see
Or how else could they even conceive of her?

(This is silly! What do flowers, trees and flocks
Know about St. Barbara?... If a branch of a tree
Could think, it would never
Construe saints or angels...
It would believe that the sun
Is God, and a thunderstorm
Is an angry bunch of
People above us...

Ah, how the simplest of men
Are sick and confused and stupid
Next to the clear simplicity
And health in existing
Of trees and plants!)

And me, thinking about all this,
I became less happy again. . .
I became somber and sickened and gloomy
Like when a thunderstorm threatens all day
And even by night it doesn’t come...


Translated by Teresa Sobral Cunha

(Picture: Approaching Thunderstorm on the Hudson River, Albert Bierstadt)

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